“A Aura dos Objetos Comuns”

Na origem, havia uma colher. Simples, modesta, funcional. Uma extensão da mão, um instrumento de sobrevivência e de cuidado. A colher — esse gesto ancestral curvo que nos ensinou a comer antes mesmo de falar.
Na instalação A Aura dos Objetos Comuns, a colher é despojada da sua tarefa rotineira e ressurge como símbolo. Já não serve alimento, serve silêncio. Já não leva à boca, mas à contemplação. Ao entrar no território da arte, ela ganha um corpo novo, quase mítico — torna-se vestígio, metamorfose, presença. Como se, ao abandonar o mundo prático, adquirisse alma.
De uma colher, nascem outras. De um molde, surgem novas formas, modeladas em cera — matéria frágil, sensível, quase carne. A cera, com o seu brilho discreto e textura translúcida, convoca um tempo diferente: o da lentidão, o da memória, o da liturgia. Há algo de religioso neste novo uso da colher — como se cada peça, ao ser transformada, se convertesse num pequeno altar, num relicário do quotidiano.
A obra evoca o conceito de aura proposto por Walter Benjamin — aquilo de único e irrepetível que um objeto adquire quando deixa de ser reprodutível e se torna presença singular. Aqui, a colher é elevada, não por ser rara, mas por ter sido reencontrada num outro plano de existência. Ganha aura não porque é exótica, mas porque é revelada.
É nesta revelação que se dá o deslocamento: a colher deixa de ser utensílio e passa a ser metáfora. É a forma que espera, que acolhe, que guarda. É a ausência que faz pensar. Ao observarmos esta instalação, somos convidados não só a ver, mas a escutar o objeto. A colher sussurra uma nova linguagem — uma linguagem onde a função dá lugar à contemplação, onde o banal se torna ritual, onde o comum se faz arte.
E assim, aquilo que passava despercebido à mesa de todos os dias, transforma-se num espelho sensível das nossas próprias rotinas.